Décimo Segundo Domingo, Ano A
20 de Junho de 2020Perder a sua vida
25 de Junho de 2020A traição é sempre «um rasgão que, de alto a baixo, nos descose [...], estilhaça o nosso quadro interno, precipita-nos na deceção, amarra-nos a um extensa e desconhecida dor». O amor, porém, tem potencial ainda mais forte, a ponto de ser capaz de recoser a amizade. Quando abraço a convicção de que «só quem me ama me pode trair», fico preparado para voltar a unir o frágil tecido da amizade.
BEIJAR
Um dos símbolos mais forte da amizade tornou-se ícone da traição. É o traidor quem o transforma: «Aquele que eu beijar».
É profunda a descrição elaborada pelo evangelista Mateus (capítulo 26, versículos 48 a 50): «O traidor tinha-lhes dado este sinal: ‘Aquele que eu beijar, é esse mesmo: prendei-o’. Aproximou-se imediatamente de Jesus e disse: ‘Salve, Mestre!’. E beijou-o. Jesus respondeu-lhe: ‘Amigo, a que vieste?’. Então, avançaram, deitaram as mãos a Jesus e prenderam-no».
Jesus Cristo não reconhece a alteração simbólica e prefere manter a expressão do gesto: «Amigo, a que vieste?». Continua fiel à amizade, perante a consumada traição.
O cardeal José Tolentino Mendonça, em Nenhum caminho será longo, assinala: «Judas, com aquele ato, revela que já não é amigo de Jesus. Jesus, contudo, chama-lhe ‘Amigo’ não só antes, mas no próprio decorrer da traição. Como se a amizade de Jesus fosse até ao fim e continuasse para lá dela».
O comportamento do Mestre ensina que a traição não tem, em si, o poder de destruir a amizade. O que a pode aniquilar é a atitude posterior dos protagonistas, traidor e traído.
Judas Iscariotes atraiçoa; pouco depois arrepende-se; e entra em desespero. Como está desesperado, acaba por se suicidar (Mateus 27, 3-5).
Talvez tenha sido esse o maior pecado do discípulo: não acreditou no amor que estava ali e ali continuou presente; não reconheceu a amizade, bem maior do que qualquer traição.
O mesmo pode suceder nas turbulências dos nossos relacionamentos. Quando pensamos na forma como gerimos as traições, algo podemos aprender com a atitude do Mestre.
A traição é sempre «um rasgão que, de alto a baixo, nos descose [...], estilhaça o nosso quadro interno, precipita-nos na deceção, amarra-nos a um extensa e desconhecida dor». O amor, porém, tem potencial ainda mais forte, a ponto de ser capaz de recoser a amizade.
Quando abraço a convicção de que «só quem me ama me pode trair», fico preparado para voltar a unir o frágil tecido da amizade.
Ao mesmo tempo, traidor ou traído, quando travo o poder do desespero, fico capacitado para vencer todas as fragilidades da amizade.