Como escutam os discípulos
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4 de Abril de 2020DOMINGO DE RAMOS, ANO A
O Domingo de Ramos dá início à Semana Santa, que culmina com a celebração do núcleo da nossa fé: o Mistério Pascal da morte e ressurreição de Jesus Cristo, a Páscoa. Somos convocados a viver a potência do amor que dá a vida.
‘Ficai aqui’
Há um convite repetido, no relato de Mateus, que, nestes dias, possui outro alcance e atualidade: «Ficai aqui, enquanto Eu vou além orar»; «Ficai aqui e vigiai comigo».
O ‘ficai aqui’ traduz-se, hoje, por ‘ficai em casa’ de modo a suster a propagação desse invisível inimigo, o ‘coronavírus’.
Este é o tempo de estar em família, o que proporciona uma maior proximidade e cumplicidade entre os membros de cada lar. É o tempo de estar inteiramente presente, qualquer que seja o momento: diálogo, silêncio, ação, oração.
Por outro lado, exige tamanho isolamento que chega a atrofiar alguns dos nossos hábitos, dos quais faz parte a presença física na comunidade paroquial.
Timothy Radcliffe, frade dominicano, lembra que este isolamento pode ser mais terrível do que a morte, na medida em que fere a nossa identidade: somos feitos para viver em comunhão, os contactos físicos moldam o nosso ser, dos mínimos aos mais íntimos.
Recorda que o centro da fé cristã também está envolvido por um total isolamento: «foi erguido sobre a cruz e, acima da multidão, sem qualquer contacto, transformado em nu objeto. Naquele momento, Ele não só abraçou as nossas mortes. Ele fez totalmente sua a solidão que todos nós, por vezes, suportamos, e que milhões de pessoas estão hoje a viver».
‘Como escutam os discípulos’
As circunstâncias da Paixão sucedem-se «para se cumprirem as Escrituras», segundo o itinerário esboçado desde o início pelo evangelista Mateus. «Não só as Escrituras antigas tinham predito aquilo que Jesus havia de realizar, mas Ele próprio quis ser fiel àquela Palavra para tornar evidente a única história da salvação, que n’Ele encontra a sua realização» (Papa Francisco).
O caminho de obediência contrasta com a desobediência de outras personagens daquele tempo, do nosso e de todos os tempos. Em latim, obedecer quer dizer ‘dar ouvidos’, ‘ouvir com atenção’; desobedecer é ‘fechar os ouvidos’, ‘não prestar atenção’. O discípulo abre o ‘ouvido’ do coração para escutar a palavra de Deus.
Como me posiciono perante o relato do Paixão: como espetador ou como ator?
Ler/escutar é um exercício de esperança, que nos ajuda a descobrir a presença do Espírito de Deus, na nossa história pessoal e comunitária. Uma esperança que não nos aliena do mundo, mas nos impulsiona a ser atores protagonistas de pequenas histórias de generosidade e de amor, junto daqueles que hoje vivem a paixão na própria carne. E se a paixão também me toca diretamente, posso vivê-la como ator em total confiança, tal como Jesus Cristo que se coloca nas mãos do Pai, inclusive quando se sentiu abandonado.
Não se trata de constatar uma contingência que provoca resignação. A nossa existência há de ser interpretada à luz do sentido último também dado a conhecer pelo próprio Jesus Cristo: o amor.